segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A biodiversidade ameaçada

Em 1980, quando editores da Harvard Magazine pediram a sete professores de Harvard que apontassem qual seria o problema mais grave que o mundo enfrentaria na década, o biólogo Edward Wilson citou a diminuição da biodiversidade: "A pior coisa que pode acontecer vai acontecer, e não é o esgotamento de energia, o colapso econômico, a guerra nuclear localizada, nem a conquista por um governo totalitário. Por mais terríveis que essas catástrofes fossem para nós, dentro de poucas gerações elas poderiam ser reparadas. O grande processo em curso na década de 1980 que há de tomar milhões de anos para corrigir é a perda da diversidade genética e de espécies pela destruição dos habitats naturais. Esta é a loucura que nossos descendentes provavelmente menos nos perdoarão" (Naturalista. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997, p. 349).
O termo biodiversidade começou a ser popularizado por iniciativa de Walter Rosen, diretor administrativo da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, que organizou o Fórum Nacional sobre Biodiversidade, em Washington, em 1986. Como explica Edward Wilson, no livro Naturalista (p. 354), a biodiversidade é definida como "a totalidade da variação hereditária em formas de vida, em todos os níveis de organização biológica, desde os genes e cromossomos dentro de cada espécie isolada até o próprio espectro de espécies e afinal, no nível mais alto, as comunidades que vivem em ecossistemas como as florestas e os lagos".
Diversos sites de notícias divulgaram os dados da International Union for Conservation of Nature segundo os quais 48% das espécies de primatas correm risco de extinção. O desaparecimento dos primatas é causado pela destruição de florestas e também pela caça. A situação é crítica, principalmente na Ásia.
Extinções causadas por seres humanos têm ocorrido desde o passado remoto. Sobre as extinções da megafauna da Austrália e da América do Norte, Steven Mithen afirma, no livro Depois do gelo (Rio de Janeiro, Imago, 2007), que não há indícios fortes nem para a hipótese das mudanças climáticas nem para a do impacto humano. No entanto, estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences aponta o homem como responsável por certas extinções. Seja qual for a causa das extinções que aconteceram há milhares de anos, são muitos os exemplos de perda da biodiversidade por ação humana em tempos mais recentes.
Magníficas espécies endêmicas (espécies nativas de determinado lugar e só encontradas ali) de certas ilhas foram extintas, como a ave-elefante de Madagascar e o moa da Nova Zelândia. Nesses locais, muitas outras espécies foram extintas. Na época atual, são muitas as espécies ameaçadas de extinção (algumas das quais talvez já estejam extintas): o Warbler de Bachman, o Warbler de Kirtland, o pica-pau de penacho vermelho, a ararinha-azul, entre outras. Edward Wilson afirma que a extinção está ocorrendo em ritmo acelerado, muito acima dos níveis anteriores ao advento do ser humano: ele estima que um quarto das espécies serão extintas nas próximas décadas se a crise da biodiversidade se mantiver ignorada e se os habitats naturais continuarem declinando.
Edward Wilson é autor de Diversidade da vida (São Paulo, Companhia das Letras, 1994), excelente livro de divulgação científica. Na primeira parte (Natureza violenta, vida resistente), o autor descreve perturbações naturais que causaram golpes na biodiversidade. No primeiro capítulo, Tempestade sobre a Amazônia, Wilson relata a sua experiência naquela região e explica como as tempestades provocam mudanças na estrutura da floresta. No segundo capítulo, ele trata da gigantesca erupção vulcânica que destruiu a ilha de Krakatau em 1883 e do retorno da fauna e da flora a Rakata, a pequena ilha que restou da antiga Krakatau. O terceiro capítulo é dedicado às grandes extinções, que ocorreram nesta ordem, conforme o período geológico: Ordoviciano, 440 milhões de anos atrás; Devoniano, 365 milhões; Permiano, 245 milhões; Triássico, 210 milhões; e Cretáceo, 66 milhões (em cada uma delas, a recuperação da biodiversidade exigiu dezenas de milhões de anos). O sexto grande espasmo de extinção, sobre o qual escreveu o paleoantropólogo Richard Leakey, pode não ter conserto (a sexta grande extinção foi assunto de entrevista do biólogo Paul Ehrlich publicada no site Science Friday).
Na segunda parte (O aumento da biodiversidade), Wilson explica a origem da diversidade biológica com o processo de evolução por seleção natural. Ele mostra como ocorre a especiação, o processo de formação de espécies. Todas as espécies são nossas parentes, pois partilhamos uma genealogia remota. É importante ter noções do conhecimento científico sobre a vida na Terra, até mesmo para entender o seu valor e conservá-la. Como disse o ambientalista senegalês Baba Dioum, citado por Wilson: "No final, só preservaremos o que amarmos, e só amaremos o que compreendermos, e só compreenderemos o que nos foi ensinado".
Os cientistas têm dificuldade para estimar até mesmo a ordem de magnitude da quantidade de organismos que existem na Terra. De acordo com Edward Wilson, o número de espécies conhecidas estaria em torno de 1,4 milhão, mas o número total de espécies pode chegar dez ou cem milhões. A biodiversidade é uma fonte potencial de imensas riquezas materiais (alimentos, medicamentos, bem-estar) inexploradas, embora esta não seja a única razão para preservá-la, já que a natureza em estado selvagem tem em si um valor próprio. A biodiversidade é nosso recurso mais valioso, mas um dos menos apreciados, afirma Edward Wilson. É necessário haver a mão forte de uma legislação protetora na preservação da riqueza biológica.
De especial interesse é a terceira parte do livro de Wilson, de título O impacto humano. Quando está em questão o dano causado à natureza pela atividade humana, lamentavelmente muita gente dá ouvidos a ideólogos, não a cientistas. É importante que cientistas como Wilson sejam mais conhecidos pelas pessoas, principalmente por aquelas que têm mais poder. O autor lembra que "a onda humana avançou sobre as últimas terras virgens como um manto supressor - paleoindígenas na América, polinésios no Pacífico, indonésios em Madagascar, marinheiros holandeses desembarcando em Maurício (para conhecer e extirpar o dodô) - e não foi restrita nem por um conhecimento da endemicidade nem por qualquer ética da conservação" (p. 272). Não devemos repetir os erros do passado.
Segundo Wilson, da pré-história aos dias de hoje, os quatro cavaleiros do apocalipse ambiental têm sido a caça desmesurada, a destruição de habitats, a introdução de animais exóticos e as doenças transmitidas por esses animais. Foi o sucesso demográfico humano que trouxe o mundo a esta crise ambiental. Os seres humanos são cem vezes mais numerosos do que qualquer outro animal terrestre de tamanho comparável. Usamos os recursos do planeta num grau que reduz drasticamente as condições da maioria das demais espécies. Daí a necessidade de uma política populacional.
Wilson propõe um plano básico para salvar e usar em perpetuidade o máximo possível da biodiversidade da Terra: recensear a fauna e a flora do mundo; criar riqueza biológica; promover o desenvolvimento sustentável; salvar o que resta; recuperar as terras selvagens. Os problemas ambientais são intrinsecamente éticos. Em relação a eles, o pensamento do filósofo Hans Jonas é esclarecedor. Este seu imperativo exige um comprometimento maior não só com as gerações atuais, mas também com as futuras: "Age de maneira tal que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de autêntica vida humana sobre a Terra; ou: age de maneira tal que os efeitos de tua ação não sejam destrutivos da possibilidade de autêntica vida humana futura na Terra. Ou, não ponhas em perigo as condições da continuidade indefinida da humanidade na Terra; ou: inclui na tua opção presente, como objeto também de teu querer, a futura integridade do homem".